Dest'Arte
Criado e Dirigido por
Zé Pires
ELENCO
MÚSICA
Onésia Muholove - Voz
Pauleta Muholove - Voz Xixel Langa - Convidada EspecialAssa Matusse - Convidado EspecialFilipe Nhassavele - Convidado Especial
Stélio Zoé - Bateria e Efeitos
Nelton Miranda - Baixo
Djivas Madeule - Guitarra
Nelson Pimenta - Percussão
Ebenezer Sengo - Guitarra
Dilson - Sax
Timóteo Cushe - Sax
Nemias - Trompete
Arsénio - Trombone
Tony Tembe - Coros
Gigi - Coros
Filipa - Coros
Edna - Coros
Helena - Coros
Zé Pires - Teclados, produção
e direcção geral
TEATRO
DANÇA
Lucrécia Paco - Narração
Elliot Alex - Adminstrador, Salim, Nigeriano e João
José Macamo - Jozeferino
Onésia Muholove - Olga Isabel Jorge - Encenação
Arejústel Ananias Santinho Mulimela
Amisse Alimo Abrijal
António João Bochane
Bino João Mavunga
Custódio Jossefa Sitoe
Bailarinas
Ana Walter Nhambire
Anneliese Erwin Huber
Neusia Francisco Magaia
Legeniana Carla Mafumissa
Leonor Newasse Paulo MoianeCoordenador
Inácio João Mavunga
Alexandre dos Santos Chilaule - Coreógrafo
1- A Primeira Pedra
Nkama kungana mpfula
Original: Companhia de Canto e Dança - Joaquina Siquice
Interprete: Onésia Muholove
Companhia de Dança Xindiro
2- A Aldeia
Samukhela - Kihayeni
Original: Eyuphuro
Interprete: Edna, Filipa, Gigi, Helena e Tony
Interprete: Onésia Muholove
3- A população, o administrador e Jozeferino
Nduna:
Interprete: Edna, Filipa, Gigi, Helena e Tony
Original: Zé Pires / Onésia Muholove
4- O mercado do peixe
Mercandonga
Original: Chico António
Interprete: Pauleta Muholove
5- Crescimento de Jozeferino e os conflitos com o administrador
Tema: Eu não vou pagar
Original: Zé Pires/ Pauleta Muholove
Interprete: Grupo Xindiro
Tema: Candongueiro
Original: Alexandre Langa
Interprete: Pauleta Muholove
6- A pressão do Administrador e a fome da população
Original: Chabuba
Autor: Filipe Nhassavele
Interprete: Filipe Nhassavele
7- o regresso da filha do administrador
Tema: Filhos da Mãe
Orginal: Zé Pires
Interprete: Assa Matusse
Tema: Muchangana
Original: Assa Matusse
Interprete: Assa Matusse
8- Olga questiona a liderança do pai
Tema: Mahungo / Vaketile / Sol Mi
Original: Xixel
Interprete: Xixel
9- Reforço do efectivo policial
Tema: Ti Polícia
Orginal: Xtaka Zero ( Nstar, JP e Duas Caras)
Interprete: Pauleta Muholove e Onésia Muholove
10- A tensão entre pai e filha intensifica
Original: Akuna Djalanga
Autor: Onésia Muholove
Interprete: Onésia Muholove
11- Jozeferino Cresce e colecciona inimigos
Tema: Ndzimene
Original: Neyma
Interprete: Onésia Muholove
12- A chegada dos Missionários
Tema: Mapindza
Original: Kapa Dech
Interprete: Onésia Muholove
13 - A violência e a morte de Letícia
Tema: Meu Último dia
Orginal: Zé Pires
Interprete: Onésia Muholove, Assa Matusse e Xixel
14- O Caos
Tema: Salmos
Orginal:
Interprete: Onésia Muholove,
Tema:Caos
Orginal: Zé Pires
Interprete: Zé Pires
15 - A Extraordinária Família de Jozeferino
Tema: Ntolilo
Orginal: Massukus
Interprete: Pauleta Muholove
16 - A Retoma da vida na aldeia
Tema: A Unguene Moya
Orginal: Popular
Interprete: Edna, Filipa, Gigi, Helena e Tony
17 - O Segredo são “AS PESSOAS”
Tema: Medlei -
Massena
Original - Precisado Cassamo,
Tlalelane
Original - Salimo Muhamed
Antchissa Maria
Original - Chico António
Malangave
Orginal - Arão Litsure
Interprete: Onésia Muholove e Pauleta Muholove
18 - A Partir do Caos Surgem as OportunidadesTema: Choose LifeOriginal: Zé Pires e Roberto Isaias
18 - A Partir do Caos Surgem as OportunidadesTema: Choose LifeOriginal: Zé Pires e Roberto Isaias
Temas
Odete Tembe - Direcção de Produção
Resgina Ussene - Assitente de Direcção
Shelcia - Direcção de Comunicação e Imagem
Felicidade da Graçå - Caracterização
Fanuel Macuacua - Direcção Técnica e técnico de PAAnderson José - Asssitente GerakFaruk - Técnico de PalcoLuis Macuácua - Técnico AssistenteCláudio - Técnico AssistenteBruno Vergamota - Luz e Conteúdos de VídeoYuran - Operador de VTIvvan Tsakalo - Operador CCMC
Fanuel Macuacua - Direcção Técnica e técnico de PAAnderson José - Asssitente GerakFaruk - Técnico de PalcoLuis Macuácua - Técnico AssistenteCláudio - Técnico AssistenteBruno Vergamota - Luz e Conteúdos de VídeoYuran - Operador de VTIvvan Tsakalo - Operador CCMC
Produção
Elenco Técnico
Script
"NO MEIO DO CAOS, RESIDE A OPORTUNIDADE.” SUN TSU
Introdução - Há Festa na Aldeia
NKAMA KUNGANA MPFULA
Autor: Companhia de Canto e Dança - Joaquina Siquice
Intérprete: Onésia Muholove
CENA1
Era uma aldeia era cercada, de um lado, pelo mar e, do outro lado, por uma floresta densa, por onde serpenteava um rio carregado de crocodilos há muito totemizados pelos sangomas. A aldeia vivia carregada de esperança; vinham e iam mercadores de todos os lados, quase sempre pelo mar, parecia uma terra esquecida na ponta da foz do rio Messalo. Pouco mais de mil habitantes ocupavam aquelas casas de caniço, barro e zinco que rodeavam a administração, construção de alvenaria deixada pelos colonos. A administração era grande e, a dada altura, passou a ser também a residência oficial do administrador. O privilégio de viver em casas de alvenaria estava reservado apenas a um punhado de residentes - os pretinhos que tiveram a sorte de herdar as casas dos seus patrões, os mulatinhos malcriados como os pais saloios que lhes deixaram as casas de seus pais brancos que se foram e largaram os seus filhos com as mães marrandzas, ou aqueles banianas malandros que estavam bem com todos e, porque lá estavam há décadas, e tinham as cantinas à frente das suas residências, como eram os casos do Bai Karim e do Bai Salim.
Havia também o posto policial feito em alvenaria. Tinha dois compartimentos de mais ou menos cinco metros quadrados cada um, equipado com uma secretária e uma cadeira que, apesar de já merecerem uma reforma e de viverem de pensão há bastante tempo, estavam lá com a madeira firme. Notava-se que essa madeira tinha ido da árvore para ali sem passar pelo contentor que vai para a China. O outro compartimento funcionava como cela para os poucos delinquentes detidos por actos de violência doméstica, quase todos em consequência de bebedeiras.
Samukhela
Autor: Eyuphuro
Intérprete: Onésia Muholove
CENA2
A população vivia da agricultura, da pesca e dos benefícios da biodiversidade que se formou entre as águas agridoces da foz do Messalo. Mas, de quando em vez, o Messalo, benevolente e caridoso, fazia descer pelas suas águas o raro Aruanã-Dourado, um peixe nativo da América, mas que, estranhamente, ali surgia . O tal peixinho ninguém via… tinha apenas três destinos possíveis: a casa do administrador, as cantinas dos Bai Karim e Bai Salim ou o contentor do Nigeriano Innocent Adebayo.
O administrador era um nativo da terra. Uma pessoa de ideias formadas e que, durante anos, abraçou causas de mãos dadas com os seus contemporâneos e amigos. Liderou a luta local contra a opressão do colonizador e resistiu à frente da aldeia durante 16 anos da guerra civil. Por isso mereceu o lugar de confiança para liderar a aldeia. O administrador era simpático, bastante educado, falava muito e adaptava-se facilmente a qualquer meio. Entre os homens ou entre as mulheres, com os mercadores ou com o povo, ele estava bem com todo o mundo. Formado na capital, disfarçava bem a sua outra face que, por vezes, era bem assustadora que surgia em alguns momentos específicos ou com algumas pessoas. Esses momentos aconteciam muitas vezes com o jovem nativo Jozeferino.
Zeferino boniiitooo, corpito gostoso… se não fosse esta minha idade… ai meu deus…!
Jozeferino tinha uma considerável popularidade por causa da sua verticalidade e da sua frontalidade. Houve uma vez em que, numa reunião com os anciãos e o pastor Jorge, surgiu uma acirrada discussão entre Jozeferino e o administrador, porque o jovem Jozeferino questionou o administrador sobre o destino que era dado ao Aruanã-Dourado, sempre que fosse pescado.
Ahahahahaahhh…! já já vão começar a lutar!
Jozeferino Pescador - Cantando
MÚSICA: Aruanã
Autor: Zé Pires
Interprete|: José Macamo
Chefe
Se a água do Messalo é nossa
O peixe e o camarão também são
Porque é que o Aruanã que desce pela encosta
Pertence a essa administração?
Chefe
Que sabor tem esse peixe
Que comem e não nos dão?
As espinhas não estou a ver
Se não comem, então estão a vender…
Administrador - (Elliote)
Isso é apenas uma opinião, é uma doxa, é uma coisa de lá e fica aí… Você é apenas um miúdo agitado por causa de algum apoiozinho que tem… se fosse intelectual, não falaria assim à toa. O intelectual não fala para as pessoas ouvirem. O intelectual não anda tentando ridicularizar as pessoas em público. Ponha-se no seu lugar, meu caro.
CENA 3
Jozeferino, que questionou o destino do Aruanã Dourado, era pescador de água doce. Curioso, rebelde e com arte nas mãos, começou por construir uma pequena embarcação pesqueira e experimentou a pesca em alto-mar. O resultado dessa investida foi tão bom que Jozeferino nunca mais quis parar. Construiu, em seguida, outra embarcação, e mais outra, e mais outra, até que teve uma pequena frota e alguns trabalhadores. Jozeferino era justo e tornava-se cada vez mais popular. Distribuía a sua pesca pelo mercado e gerava oportunidades para todos como podia; o que lhe dava mais prazer era ver a alegria das senhoras; a tia Bina, irmã da mãe, também ganhava dinheiro. E alegrava-se quando ouvia a azáfama do mercado…
Aaaaaahhh…! Aquela beleza tinha de ter algum defeito… aquela Bina era uma própria peixeira do mercado… fofoqueira, serviço de informação… candongueira…
Tema: Mercandonga
Autor: Chico António
Intérprete: Pauleta Muholove
CENA 4
Mas nem todo o mundo gostava daquela alegria, e nem todo o mundo gostava da popularidade de Jozeferino Pescador.
Invejosos… não queriam ver o meu bebé ficar rico. Meu bebé de gema não tem medo de ficar rico.
Com a frota crescendo, o número de trabalhadores aumentando e alguma agitação de Karim e Salim, o administrador decidiu mandar cobrar impostos sobre a pesca. Jozeferino, que também era curioso e conversava com os mercadores para perceber como funcionam as coisas lá fora, já sabia que esse dia haveria de chegar. Por isso, aceitou pagar sem reclamar.
Não satisfeito, o administrador inventou outra forma de sufocar Jozeferino. Mandou um aviso cobrando pelo estacionamento dos barcos na praia…
Jozeferino - Estacionamento de quê, Sr. Administrador?
Administrador - Estacionamento dos barcos na praia…
Jozeferino - Na praia mesmo, a orla não é pública?
Administrador - Sim, na praia mesmo, é pública, mas…
Jozeferino - Mas, mas, mas o quê, chefe? A licença de pesca não cobre o estacionamento?
Administrador - Não…
Jozeferino - A administração construiu alguma infraestrutura que mereça manutenção? É para deixar os barcos no alto-mar ou para carregar os barcos para casa?
Jozeferino – (a cantar)
Que coisa é essa, Chefe?
Prova que eu tenho de pagar e eu vou pagar.
Eu nem quero saber,
A orla é pública
eu não tenho que pagar.
Construa algo pelo benefício do povo e aí eu vou pagar.
Jozeferino sabia que aquilo fazia parte de um plano maior, por isso foi à fonte da agitação.
Jozeferino - Bai Karim, como está?
Karim - Eu estou bem, primo. Família, como está? A tia?
Jozeferino respondeu um bocado impaciente - Estamos todos bem, — Bai Karim, o negócio está aumentando, e já estou precisando de congelar os produtos, senão os mariscos vão estragar.
Karim (fazendo-se difícil) - Hiiiii, eu não tenho espaço, Jozeferino, não vou conseguir ajudar.
Jozeferino - Eu não estou pedindo ajuda, não quero favor, Karim, quero que me alugue espaço no frigorífico aqui da cantina. Vou guardar um pouco do meu produto aqui e outra parte lá no contentor do Nigeriano. Mas é para pagar.
Karim - Mas porque é que o primo não vende o produto? Podemos comprar todo o peixe e mariscos, e nós revendemos para as senhoras do mercado.
Para Jozeferino era indiferente, até porque seria melhor, visto que não teria o custo com o armazenamento. Mas Jozeferino não aceitou. Ele sabia que, a seguir, o preço subiria e ninguém mais seguraria a candonga.
Tema: Candongueiro
Autor: Alexandre Langa
Intérprete: Pauleta (3)
CENA 5
Mesmo assim, a vida na aldeia ficava mais difícil. Os comerciantes, que não conseguiam pressionar Jozeferino para lhes vender todo o pescado, passaram a aumentar o preço dos outros produtos trazidos pelos mercadores para sufocar o reduzido orçamento das pessoas. O administrador fazia a sua parte criando taxas e contratando fiscais para exercer pressão sobre as pessoas.
A essa altura, Jozeferino já era o maior empregador de toda a aldeia, tinha expandido seu negócio e distribuía os seus produtos pelas aldeias e povoações vizinhas. Foi aí que lhe fizeram a proposta de lhe comprarem o negócio. Tendo a certeza de que o negócio só funcionava com Jozeferino, a proposta incluía a oferta de uma percentagem mínima na sociedade com Karim, Salim e uma senhora que tinha chegado à aldeia havia menos de 2 anos, que representava algum interesse mais escuso.
Mas Jozeferino era teimoso, focado e muito protector. Sabia que, a seguir, além dos preços dos produtos subirem, eram os seus amigos colaboradores que sofreriam com os despedimentos. Jozeferino, mais uma vez, disse que não.
A pressão aumentava para a população e esta não podia viver apenas dos produtos do mar. A fome começou a apertar e, aos poucos, emergia o desespero e a revolta.
Tema: Chabuba
Autor: Filipe Nhassavele
Intérprete: Filipe Nhassavele
CENA 6
Os mercadores que vinham das grandes cidades, sempre que tinham espaço nos seus transportes, levavam consigo algumas pessoas que iam para a aldeia ribeirinha. Na sua grande maioria, eram pessoas que tinham ido para tratamentos médicos mais complexos que não conseguiam ter nem no posto médico da aldeia nem pelos conhecimentos da medicina tradicional. Outros que vinham na boleia dos mercadores eram os visitantes familiares e os que iam de regresso após um período de trabalho ou após formação académica. Foi nesse contexto que, numa dessas viagens dos mercadores, regressou Olga, uma amiga de infância de Jozeferino que, desde pequena, sempre teve ideias bastante subversivas. Ainda no ensino básico na aldeia, Olga já tinha conseguido ser a primeira rapariga chefe de turma. Ela conquistou essa posição numa disputa acirrada com um colega que recorria à pujança física para se impor. A destemida Olga suplantou-o e seguiu como chefe dos grupos em que se envolveu, quase toda a vida. Na adolescência, já era uma figura que movia as águas pelos direitos civis, com destaque para a equidade de género. Conta-se que ela seguiu toda a sua formação académica com perfil de contestatária.
Olga só não disse a verdade sobre a razão do seu regresso. Afinal, ela trazia às costas duas relações com aqueles que chamou “Filhos da Mãe”, e era de esperar que ela estivesse bem definida sobre a mudança que queria para a sua vida, quiçá para todas as pessoas da sua aldeia e principalmente das mulheres da sua aldeia. Mais uma vez, tomou essa decisão com garra e foi. Afinal, Olga também é filha do Administrador.
Música: Filhos da Mãe
Autor: Zé Pires
Intérprete: Assa Matusse
CENA 7
Olga voltou e vinha diferente. Continuava faladora, porém muito mais certeira na escolha das palavras. Estava mais firme e sustentava-se insistentemente na palavra do Senhor para justificar as suas ideias. Percorria o mercado e as ruelas da aldeia para ouvir as pessoas e passar a palavra. Olga era boa no que fazia, dominava a retórica e sabia exactamente que na esperança residia a fragilidade e a força das pessoas. Isso atraía cada vez mais seguidores.
Enganava-se quem pensava que aquele ser subversivo que saiu para o mundo havia alguns anos tinha sido diluído pelo mundo espiritual. Olga tinha adquirido outras habilidades e usava-as com astúcia.
Mas a dúvida persistia: o que é que ela almejava? Qual era o plano dela?
Foi em convívio entre familiares e amigos para comemorar o seu regresso que a coisa começou a revelar-se, quando ela abordou o pai enquanto dançavam…
Olga - Pai! O teu mandato como chefe da aldeia vai até quando?
Administrador - Hum, vamos dançar, filha!!!
Olga - Sim! E o teu mandato? Quando termina?
Administrador - Não entendo o porquê dessa pergunta, Olga.
Olga - O pai não acha que está na hora de termos mudanças aqui na aldeia? As pessoas não merecem experimentar outra forma de liderança? Mais jovem, mais moderna, deixar essa forma arcaica?
Administrador - E quem é que achas que deve liderar a aldeia? Tu?
Olga - O pai tem algum problema com isso? O pai tem algum problema com a mudança? Não vê que está velho, cansado, que os seus amigos conselheiros também já não têm ideias?… Será para o bem de todos.
Administrador- Eu não, mas há muitas coisas a considerar…
Olga - Então comece a considerar…
Música: Vatekile/Sol Mi
Autor: Xixel Langa
Interprete: Xixel Langa
A partir desse momento, a relação entre eles mudou drasticamente. Ali, o administrador percebeu que tinha investido na sua própria desgraça e isso iria afectar toda a aldeia.
CENA 8
O administrador, preocupado, decidiu tomar medidas:
- restringir a filha de ter acesso a informação privilegiada dentro de casa;
- minimizar as trafulhices que tinha permitido que se instalassem e se espalhassem pela aldeia;
- cortar os benefícios exagerados que dava aos seus;
- montar a sua própria protecção… ou do seu trono, aumentando o efectivo policial.
Trono de palha, meteu bandidos na corporação, foi isso que ele fez.
Cada uma destas medidas trouxe consequências para o administrador. Mas as consequências do aumento do efectivo policial eram as piores de todas. Foi como tentar, eu disse tentar, resolver um problema a partir de outro… foi como dar cocaína para cortar o efeito do álcool. Ao bafómetro há de passar, mas as consequências são claras a longo prazo. Com o aumento do custo operacional, acabou sufocado e, como tinha de ser, a solução foi inventar mais uma fonte de receitas a partir dos serviços fiscais.
O chefe do posto policial era o Tenente Chitima.
Música: Ti Polícia
Autor: Xtaka Zero
Intérpretes: Onésia e Pauleta
CENA 9
O tenente Alfredo Chitima colocou, logo à partida, um oficial civil a seguir a Olga. Dizia que fornecia protecção. Mas Olga não gostou e assim nasceu mais um bate-boca entre pai e filha.
Olga - Sr. Papá, assim eu já não tenho liberdade?
Administrador - O que se passa, filha?
Olga - Ahhh, pai, não se faça de distraído.
Administrador - Eu não sei o que se passa e muito menos do que falas.
Olga – Sabe, sim, Sr. Administrador da Aldeia! Sabe, Sr. Papá, a liberdade é um direito que me assiste pela constituição:
1- Liberdade de Expressão (Artigo 48):
2- Liberdade de Reunião e Manifestação (Artigo 51):
3- Liberdade de Associação (Artigo 52):
4- Direito à Liberdade e Segurança (Artigo 59):
Portanto, nem o senhor, nem esses polícias esfomeados, a quem o senhor corrompe, vão me tirar o direito à liberdade. Nem a mim nem ao meu povo.
Administrador - Tu estás a exagerar. Olha que sou o teu pai.
Olga - Pai? Que exemplo é esse que tu dás? Como é que achas que eu fico quando ando pelas ruas e ouço as pessoas sussurrando o teu nome envolvido em ilícitos?
Música: Akuna Jalanga
Autor: Onésia Muholove
Intérprete: Onésia Muholove
CENA 10
Jozeferino, enquanto isso, crescia e diversificava. Fazia-o pelo seu projecto e porque percebeu que estava sob a mira dos comerciantes e da cúpula da aldeia. Ele tinha os terrenos que herdou dos pais e apostou na agricultura e na criação de frangos e ovos. Contratou mais trabalhadores e, desta feita, apostou em mulheres. Como muitas eram mães de crianças pequenas, construiu salas onde os filhos iam brincar e estudar. Jozeferino prosperava e subtilmente saía da alçada daquela alcateia. Numa dessas viagens, um dos mercadores trouxe-lhe congeladores que ele tinha encomendado, em quantidades e tamanhos suficientes para ele conservar os frutos do mar que trazia. Consequentemente, já não precisava dos serviços de armazenamento dos comerciantes e, correcto que era, foi lá atempadamente fazer o pré-aviso de cancelamento do acordo. Como não poderia deixar de ser, aumentou a crise…
X
Jozeferino - Bay Karim, Mr Innocent!
Mr. Innocent - Boa tarde, primo. Nós já viu tudo… (Nigeriano)
Jozeferino - Sim, aqui na aldeia todos vêem e sabem de tudo. Viram que eu recebi os meus congeladores e já não vou precisar dos serviços de armazenamento. Este é o último carregamento. Obrigado por tudo.
Mr. Innocent - Problema moçambicano é essa mesma. You pensa que os coisas são assim? Você já acha que ser supa businessman! Pensa que sabe mais dos coisa do que nós? Você há de vir chorar aqui pedir valo.
Karim - Tas a ficar espertinho, sobrinho. Vamos ver Quando esse seu negocinho cair e a sua vida apertar…
Jozeferino - Mas todas essas palavras são porquê? Eu estou a avisar com tempo suficiente para vocês se organizarem.
Karim - Tempo suficiente? Você tem de me pagar 3 meses de indemnização porque eu fiz um investimento por causa desse seu peixe que eu armazenava para você.
Jozeferino - Não, não, Bay Karim. Se fez investimento, não foi por minha causa. Eu nunca disse que ia precisar de mais espaço.
Mr. Innocent - Trust me my friend… isto não vai acabar assim.
Mr. Innocente virou as costas e abandonou a conversa.
Os comerciantes saíram dali nervosos e a esfumar por todos os lados. Não havia nada a fazer. Jozeferino recusou-se e avisou que, se eles quisessem, podiam levar o assunto à disputa, que seria mediada pelo administrador, pelo pastor Jorge e pelos anciãos; afinal, o programa "um distrito - um tribunal" ainda não tinha chegado à aldeia. E lá se foi Jozeferino para os seus campos plantados que, a essa altura, já estavam carregados de verde…
Música: Ndzimene
Autor: Neyma
Intérprete: Onésia Muholove
CENA 11
Passavam alguns dias quando, numa fatídica manhã, a população despertou e estava lá atracada uma frota de embarcações. O medo instalou-se, a imaginação tomou conta das pessoas, a superstição espalhou-se e as intrigas começavam. As memórias do tempo da guerra ainda viviam penduradas nas amígdalas de uma parte daquele povo. Os barcos vinham carregados de missionários brancos, e para muitos, os brancos ainda tinham o símbolo da opressão estampado na testa. Eram vários deles e de várias missões: saúde, religião, caridade e outros tantos que só diziam pertencer à ONG.
O chefe do posto policial enviou um dos seus oficiais para avisar o administrador que tinham chegado barcos cheios de brancos. Numa correria desenfreada, contrariando o seu porte físico, o administrador aprumou-se e seguiu, arrastando-se pela areia, roçando as coxas uma na outra, até que, ao chegar, tinha as calças presas entre elas e encurtadas ao ponto de expor as suas meias brancas.
O corpo policial estava já desalinhado em fila, e pronto para fazer as honras, quando surge a grande surpresa. Com todo o protocolo instalado, um vulto em relâmpago atravessou tudo e todos, aos gritos…
Olga - Mary, my love, welcome to my hometown…
Mary - Meu amiga Olga, você está bom? Saudade!
Afinal de contas, a missão tinha uma representante na aldeia. Olga tinha vendido a ideia de que a aldeia precisava de salvação e que havia várias oportunidades; eles vieram e trouxeram de tudo: medicamentos, médicos, bíblias, doutrina, negócios, dinheiro e as suas regras. Olga sabia que a vinda dos missionários ia mudar toda a estrutura da aldeia e investiu em pesos pesados.
Música: Mapindza
Autor: Kapa Dech
Intérprete: Onésia Muholove
CENA 12
Passados meses, eles andavam por ali às voltas. Distribuíam panfletos de porta em porta, faziam vigílias e iniciavam construções ou escavações. Ninguém percebia nada do que se passava e começaram os questionamentos, os grupos e a agitação. De um lado, um administrador que tentava manter a sua autoridade; do outro lado, Olga que agitava as massas agarradas à sua fé. O terceiro grupo contestava os abusos, a expropriação das suas terras, as prospecções não autorizadas e a defesa da soberania da aldeia. Neste grupo estavam os Jozeferinos da aldeia. E havia um último grupo que era formado por todos os outros que sabiam tudo e que, ao mesmo tempo, não percebiam absolutamente nada. Que tomavam partidos e ficavam na varanda da casa a discutir com os vizinhos que tinham opiniões diferentes. Aqueles que durante os meses de incertezas, refugiaram-se nas povoações vizinhas, onde tinham familiares e de lá sabiam quem tinha razão, quem tinha feito isto ou aquilo. A aldeia virou uma autêntica confusão até que começou a violência verbal e física.
- Epa, eu vinha ali na rua da cantina e bateram-me com um ferro na cabeça - reclama um vizinho sangrando na testa. Viste o que te digo? Tentaram atacar a Olga da mesma forma.
- Foi Chitima, por ordens do pai dela. Tentaram emboscá-la depois da vigília.
- Senhora, qual vigília? Se eu estava na vigília e saí com a Olga…
- Às tantas foste tu.
- Se você também sempre comeu com essa corja. Por isso não consegues ver.
- Olga tem razão em trazer esses estrangeiros para ajudarem a resolver os nossos problemas.
- Está a ver? Está a discutir comigo quando quem arranjou todo esse barulho foi essa vossa amiguinha.
- Quem tentou atacar?
E num desses dias, quando o dia clareou, estava lá, aos olhos de toda a aldeia, o corpo de uma mulher jovem, deitado sobre uma enorme poça de sangue. A pele ainda estava marcada por rugas ensanguentadas dos açoites que tinha recebido nas costas, nas pernas e nos braços. Ninguém a reconheceu, até que a Tia Fátima chegou aos berros, disparada, na rua, e carregou aquele corpo sofrido nos braços. Era a linda e quieta Letícia, que não se envolvia em absolutamente nenhuma confusão. Era apenas a Letícia que queria ser médica. Que queria ser mãe. Era apenas a Letícia que se preparou, que se vestiu a rigor e caminhou para inscrever-se para estudar e preparar um futuro, que só durou algumas horas.
Tema: Meu Último dia
Autor: Zé Pires
Intérpretes: Onésia, Xixel e Assa Matusse
CENA 13
A aldeia entrava em caos. Já ninguém sabia o que realmente defendia. Os espíritos assistiam àquilo serenos, até que os mais elementares valores culturais e tradicionais se quebraram; desrespeitavam-se memórias, agrediam-se anciãos, escavavam as terras sagradas e até se vasculhavam túmulos.
Era uma tarde de sol ardente; as pessoas esbanjavam ira pelos poros, carregados de sangue nos olhos e de dentes e unhas afiados, quando os céus decidiram manifestar-se. As nuvens juntavam-se sobre a aldeia, vindas de todos os cantos dos céus. Os ventos arrastavam-se pelas vias da aldeia, carregando as chapas de zinco e as coberturas das casas; os talheres voavam como balas perdidas e a chuva ensopava os solos, arrastando-os de volta ao seu habitat. No final, o rio Messalo, enfurecido, decidiu manifestar-se, balanceando o seu corpo para os lados, até que as suas águas rasgaram a aldeia ao meio, deixando de um lado a destruição quase total retirar-lhes completamente a luz
Música: Salmos
Autor:
Música: Caos
Autor: Zé Pires
CENA 14
Estava tudo bem com Jozeferino e os seus colaboradores. Mas eles estavam sitiados e distantes de suas famílias; a única forma de contacto era pelo mar, que, para alcançar, tinha alguns bons quilómetros de caminhada e outros tantos de navegação. O empreendimento de Jozeferino estava a bombar a todo gás, com compromissos de entregas de mariscos, frango, ovos e legumes a vários clientes, entre cantinas e mercados de várias povoações vizinhas. Ele ficou num dilema entre o sentido humano e a responsabilidade profissional. Não podendo trocar os turnos, naquele preciso momento, haveria de vir à tona o tamanho do compromisso. Naquele exacto momento, Jozeferino passaria a saber se tinha conseguido uma família extraordinária.
João - Mano Zé,
Jozeferino - Sim, João.
João - Preciso de uma autorização para enviar dois colegas nossos na embarcação até ao outro lado para termos notícias de nossas famílias e fazer chegar a informação sobre nós.
Jozeferino - Mas já são vários dias que vocês estão aqui a trabalhar… vocês precisam descansar…
João - Nada, boss, não podemos ficar mal e nem podemos deixar o boss ficar mal. Nós vamos nos gerir aqui mesmo. Podemos nos acomodar ali no armazém e fazer trocas aqui mesmo.
Jozeferino - Mas…
João - Nada, boss, nós vamos continuar a trabalhar e vamos cumprir com as metas…
Música: Ntolilo
Autor: Massukos
Intérpretes: Onésia e Pauleta
CENA 15
Após a tempestade, uma acalmia tomou conta da aldeia. A introspecção assumia a direcção das emoções e a consciência punia uma considerável porção de aldeões. Afinal, os espíritos tinham-lhes despido de todo o orgulho, da enorme arrogância e da desnecessária teimosia. Carregavam nas costas o peso do desamparo de crianças, de idosos e da perda da vida de vários inocentes.
Quando a luz retornou, os barcos dos missionários já não estavam lá. Como os ratos na tempestade no navio, foram os primeiros a fugir.
O administrador decidiu que era hora de ceder o seu lugar e fê-lo. Mas não foi à sua filha Olga que ele entregou. A administração da aldeia ficou entregue ao pastor Jorge, um nome consensual, que tinha a difícil tarefa de repor os valores. Decidiu, assim, que iria formar uma comissão de administração e obter a opinião de vários sectores para melhor conduzir os destinos da aldeia. Foi assim que fez.
Música: A unguene Moya
Autor:
CENA 16
O abandono dos missionários e a escolha do pastor Jorge para orientar os destinos da aldeia tinham desmoralizado completamente Olga. Pelo menos parecia. Ela andou cabisbaixa e sisuda por um tempo mas, como tinha dito, Olga tinha raça e erguia-se facilmente; por isso, manteve encontros regulares com os seus seguidores. O grupo continuava a aumentar e ela continuava a reivindicar direitos que vinha exigindo ao pai.
Karim e Salim, por mais estranho que pareça, tiveram as suas lojas intactas durante todo período de tumultos, por isso continuavam a vida normalmente.
Jozeferino usou os seus recursos e repôs os acessos, e os seus trabalhadores retornaram ao seio familiar, que, com a ajuda também de Jozeferino, se restabeleceu.
Jozeferino tinha erguido um mundo à sua volta. As pessoas eram o seu maior activo; elas sentiam que não eram meros empregados, que faziam parte de um negócio de família. Por isso, um dia, o pastor Jorge visitou o empreendimento de Jozeferino para tentar entender a sua fórmula. Jozeferino apenas respondeu que a fórmula está nas pessoas. Se as educarmos, se as respeitarmos e as tratarmos com dignidade, nenhum outro processo será complexo.
O segredo são as pessoas.
Música: Anchissa Maria,
Malangave, Autor: Chico António, Arão Litsure, Dylon, Precisado, CENA 17 Mas nem tudo era tão bonito como todos pretendiam. Alguns focos de violência foram surgindo. Tentaram provocar incêndios estranhos, os carros dos mercadores que traziam alimentos e materiais de construção para ajudar na recuperação eram emboscados e esvaziados. As lojas do Pires, do bay Karim, do bay Salim e até o contentor do Mr. Innocent, foi tudo vandalizado. Ninguém entendia o que se estava a passar. Ninguém sabia quem estava a sabotar tudo e todos… é que… "No meio do caos, reside a oportunidade.” - Sun Tsu Música: Choose Life Orginal: Kapa Dech
Malangave, Autor: Chico António, Arão Litsure, Dylon, Precisado, CENA 17 Mas nem tudo era tão bonito como todos pretendiam. Alguns focos de violência foram surgindo. Tentaram provocar incêndios estranhos, os carros dos mercadores que traziam alimentos e materiais de construção para ajudar na recuperação eram emboscados e esvaziados. As lojas do Pires, do bay Karim, do bay Salim e até o contentor do Mr. Innocent, foi tudo vandalizado. Ninguém entendia o que se estava a passar. Ninguém sabia quem estava a sabotar tudo e todos… é que… "No meio do caos, reside a oportunidade.” - Sun Tsu Música: Choose Life Orginal: Kapa Dech